O Natal na Idade Média
Mesmo quem não gosta, é difícil evitar uma data como o Natal. Comemorado no mundo inteiro, a data que relembra o nascimento de Jesus (Papai Noel, sai daqui) faz parte da vida de bilhões de pessoas. Mas como era celebrada essa data durante o período medieval? O Dr. Matthew Champion* nos fornece algumas dicas sobre o natal durante a Idade Média.
1 – NEM TÃO FESTEJADO ASSIM
Na Idade Média, o Natal não era uma data tão abrangente, era como é para alguns hoje, uma data para relaxar. Claro que a Natividade era uma data importante, porém mais importante mesmo eram a Páscoa e a Anunciação – comemorado no dia 25 de março, quando Deus enviou a Maria a missão de conceber seu Filho.
2 – CUIDADO!
Grande parte do mundo medieval não celebrava o Natal, mas se você fosse um judeu que vivesse naquele época, o Natal podia ser uma data perigosa. Em 1305, moradores da cidade de Korneuburg acusaram judeus a Inquisição por terem profanado uma hóstia consagrada. Histórias como essa – judeus conspirando para atacar o corpo vulnerável de Cristo, presente na hóstia – garantia castigos terríveis.
O estudioso muçulmano medieval Ibn Taymiyya (1263-1328) criticava muçulmanos que aderiam as festividades cristãs, principalmente aos que imitavam o Natal como uma celebração de aniversário do Profeta Muhammad.
3 – O TEMPO DO NATAL
Para aqueles que festejavam o Natal, não o celebravam em apenas um dia, mas durante 12 dias que se estendiam do dia 25 de dezembro até a Epifania, no dia 6 de janeiro. E ainda tinha mais: o Natal era antecipado por um mês de jejum, era o tempo do Advento.
O Advento era visto como um tempo de preparação para a vinda de Deus – seu “Adventus” para o mundo – tanto no menino Jesus, como no tempo do Apocalipse. Era para ser um tempo de exílio e arrependimento. Por que ao invés de pisar nos seus colegas de profissão, não imitar os santos e pisar o pecado, a tentação e os infelizes demônios?
Se esmagar demônios fosse muito complicado, pelo menos manter alguns alimentos fora da mesa era mais fácil. Jejuar era um dos principais ritos sagrados na Europa medieval. Por isso que quando alguns reformadores protestavam contra a igreja no século 16, eles comiam salsichas durante o jejum.
4 – REINO VITORIOSO
William, o Conquistador, foi coroado no Natal de 1066. O Natal era um tempo muito propício para se começar um reinado: você podia apelar para a imagem clássica da entrada triunfal de um imperador para a cidade, seu “Adventus”.
No meio do inverno, muito frio para batalhar, você podia, assim como Jesus, ser o príncipe da Paz. Assim como o reino de Deus chegou ao mundo com o menino Jesus, o seu reinado poderia nascer com o Natal.
5 – O MUNDO VIRANDO DE CABEÇA PRA BAIXO
Se os seus gostos não fossem executados como uma coroação real, você podia comemorar o Natal invertendo a hierarquia social. Espelhadas nas tradições pagãs, essas inversões ocorriam em toda sociedade medieval em torno do Natal. Uma das mais coloridas foi a eleição de um bispo menino que presidiu as procissões e rituais da igreja na Festa dos Santos Inocentes (28 de dezembro).
Noutro exemplo, em Londres, um bispo menino desejava que todos os seus professores fossem para a forca em Tyburn. Registro de crônicas, como os da abadia de St. Gall no século 10, mostram que o rei Conrad tentou distrair o cortejo de rapazes com maçãs no caminho da procissão, mas os meninos foram tão comportados que nenhuma maça foi tocada.
A inversão poderia ficar descontrolada, no ano de 1523 em London’s Inns of Court, um “senhor de desgoverno” foi responsável por uma morte.
6 – E A ÁRVORE?
Árvores verdes são presentes na vida ritual de muitas culturas, mas as árvores medievais são bem difíceis de se rastrear. Existem referências vagas, particularmente no final da Idade Média, mas sua popularidade explodiu apenas no século 19.
Em todo caso, decorava-se a casa com velas, azevinho e heras. Presentes não eram trocados no dia 25 de dezembro, mas no Ano Novo ou em outra parte do Natal.
7 – MELODIAS NATALINAS
Multiplicadas no final da Idade Média – um sinal da crescente importância do Natal. Eles eram muitas vezes “macaronic” – união do latim com línguas vernáculas, misturando o alto e baixo, o divino e o humano na forma textual. Como a devoção de Maria aumentou, essas canções de Natal muitas vezes eram hinos de sua pureza.
Muitas das canções medievais que cantamos hoje tiveram seus ritmos regularizados e suas harmonias reescritas para satisfazer gostos.
8 – E O QUE VAI TER PARA A CEIA?
Sabemos que cabeça de javali estava no menu medieval a partir dos registros da festa de Natal de Richard de Swinfield, bispo de Hereford, no século 13. Junto com o javali, Richard ainda foi servido com carne bovina, carne de veado, perdizes, gansos, pão, queijo, cerveja e vinho.
O Natal também era o tempo de caridade e partilha de alimentos – no Natal de 1314, alguns inquilinos de North Curry, em Somerset, receberam pães, carne, bacon com mostarda, canja de galinha, queijo e tanta cerveja que poderiam beber por um dia inteiro.
Presentear alimentos também era um fato: pelo direito de manter coelhos, a cidade de Lagrasse tinha que dar o seu melhor coelho para o mosteiro local a cada Natal.
Uma das características da comida medieval era a sua variação sazonal, por isso você precisaria de uma fonte de alimentos por perto, temperado com especiarias como pimenta, gengibre, cravo e açafrão.
9 – VISÕES
Relatos bíblicos sobre o nascimento de Jesus foram muitas vezes complementados por outras histórias e visões do mundo medieval. Se a visão não fosse concedida a você, poderia então meditar sobre as visões de Santa Brígida, na Suécia, uma santa do século 14. Brígida viu o ventre de Maria “muito pesado e inchado” e, como ela orou, “a criança no ventre, naquele momento, num piscar de olhos, [Maria] deu à luz a seu Filho.”
10 – HORA DE MONTAR O PRESÉPIO
Para completarmos o Natal medieval, basta criarmos um presépio numa caverna. Você pode estar pensando: mas não era um estábulo na versão bíblica? Ok, não precisa se preocupar com essa “precisão histórica” – isso não era um problema até o século 16.
Estaríamos seguindo o exemplo de São Francisco que ficou famoso por representar o momento chave da Natividade numa caverna em Greccio. O mais antigo registro conta que São Francisco ficou tão comovido com o presépio que, quando falou a palavra “Belém” durante a missa, sua voz parecia o berro de um cordeiro.
*Dr. Matthew Champion é bolsista em pesquisa da história medieval e moderna em St. Catherine College Cambridge.
Esse texto foi traduzido e adaptado do original Medieval Christmas: how was it celebrated?
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