A Paixão de Cristo - Parte I

No próximo dia 4 de abril os cristãos relembram a Paixão de Cristo, onde refletem sobre o sofrimento de Jesus que morreu para redimir os pecados da humanidade. Era bastante comum nessa época os cinemas de rua exibirem filmes contando sobre o relato da Paixão. Aqui em Belém sempre se exibia Jesus de Nazaré (1977) de Franco Zeffirelli. Quando eu trabalhava numa locadora de DVD's, as pessoas sempre procuravam filmes sobre as últimas horas de Cristo, no caso iam atrás do filme A Paixão de Cristo (2004) de Mel Gibson. Este filme de fato provocou uma grande comoção quando foi lançado. Além do mais, Mel Gibson tinha que apresentar um diferencial de sua versão em relação às outras.

Desde quando o cinema é cinema o relato da paixão de Cristo já se encontrava retratado nas películas. Diversas versões para uma mesma história: o martírio de Jesus, desde o seu julgamento até sua crucificação. Então por que Mel Gibson, em 2004, resolveu mais uma vez levar essa história ao cinema? O que ele iria mostrar além daquilo que todo mundo já viu? Aí é que está! Ele mostrou o que muita gente nunca viu. Não de maneira tão visceral.

Para começar, Mel Gibson resolveu contar a história das últimas 12 horas de Jesus utilizando as línguas faladas à época: o latim, o aramaico e o hebraico. Detalhe: Gibson queria lançar inicialmente o filme sem legendas, no entanto voltou atrás. Daí já percebemos a tentativa do diretor de mostrar uma história bem próxima da realidade do evento. Por isso quer nos choca com imagens violentas, utilizando efeitos especiais para mostrar de maneira visceral a flagelação de Jesus. Apoiado pela fotografia de Caleb Deschanel e pela música incidental de John Debney apela para o sentimentalismo do espectador. De fato Mel Gibson parece ter conquistado e provocado a reação que desejava. Na primeira semana de exibição, o filme já havia arrecadado o seu valor de custo e quando foi apresentado ao papa João Paulo II ele disse: "o filme é como era".

Neste e nos próximos posts irei me atentar em alguns pontos principais do filme e da história que têm recebido, atualmente, uma revisão por parte dos historiadores e dos teólogos.

O ponto de partida do filme é o Monte das Oliveiras, ou Getsêmani, em aramaico Gat Shemanin, que significava prensa de azeite. Aqui o filme mostra Jesus – ainda não o Cristo – procurando respostas para entender a vontade de Deus e sofrendo as tentações de um Satanás andrógeno. Logo adiante surge Judas para cumprir o seu papel que o tornou na figura do traidor. Hoje sua participação na história da Paixão está sendo revisada. Jesus é entregue por Judas, não traído. Afinal de contas nenhum dos evangelistas (Marcos, Matheus, Lucas e João) empregam a palavra “traição”, apenas Lucas usa a palavra “traidor” uma única vez. Vale lembrar que os redatores gregos empregavam o verbo “entregar”, “transmitir”, no entanto em português “entregar” é sinônimo de traição.

Conforme diz o teólogo protestante Karl Barth “de certo modo, Judas é, fora Jesus, o personagem mais importante dos evangelhos. Dentre os apóstolos, só ele agiu para a realização daquela que era a vontade de Deus”, mostra como hoje os historiadores e teólogos estão revendo a posição de Judas que ficou estigmatizado através dos séculos pelo seu ato de “traição”.

A lógica apresentada por Karl Barth pode ser melhor entendida na sequência provocada pelo verbo “entregar” conforme Isabelle Vissiére, professora de Literatura Francesa nos Estados Unidos e na França: “Judas entrega Jesus a Caifás, que o entrega a Pilatos, que o entrega aos soldados e a multidão”. Dessa forma a Paixão é consumada.

O destino final de Judas sempre é o mesmo: uma morte injusta. Em Matheus, Judas joga as 30 moedas no Templo antes de se enforcar, enquanto em Ato dos Apóstolos Judas teria caído numa pedra, partindo-se ao meio e suas entranhas derramadas.No filme de Gibson percebemos que Judas logo se arrepende do ato da delação e passa a ser atormentado por demônios – na figura de crianças. Não agüentando, Judas se mata. Como podemos perceber, Judas tem um fim sem misericórdia diferente de Pedro que nega Jesus três vezes, mas é perdoado.

De fato entender o papel de Judas no contexto da paixão não é nada simples. Teria sido ele um traidor ou aquele que estava apenas cumprindo a vontade de Deus?

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