A Trégua de Natal



1914, começava a Primeira Guerra Mundial. Os primeiros meses do conflito foram de movimentação rápida das tropas entre os territórios com o objetivo de conquista. Mas foi nas trincheiras, quando para os soldados o único futuro possível eram mais batalhas contra as tropas inimigas e a morte, o Natal realizou milagres. 

A Grande Guerra foi deflagrada em 1914 quando a Áustria-Hungria declarou guerra contra a Sérvia. Ao lado sérvio juntaram-se a Grã-Bretanha, França e Rússia enquanto que a Alemanha alisou-se aos austro-húngaros. O primeiro momento do conflito, chamado de "guerra de movimento", foi marcado pela mobilização das tropas nos territórios, com pequenos avanços e com grande número de baixas. A segunda etapa, "guerra de posições" ou "de trincheiras", refere-se a tática de manter-se nos territórios. 

Eram abertas grandes e estreitas valas, onde os soldados circulavam. Essas valas ou trincheiras eram protegidas por arames farpados. Entre as trincheiras existia a “Terra de Ninguém”, faixa de terra que ficava entre as posições dos soldados. Nas trincheiras, os soldados viviam sob fogo cruzado e em péssimas condições, pois era comum a presença de ratos além da lama, frio e doenças. 

É nas trincheiras que os soldados passam o Natal de 1914. As condições não eram nada favoráveis. A guerra que havia se imaginado curta, estava distante do seu fim e o inverno castigava os soldados no fronte. O dia 24 de dezembro seria apenas mais um dia comum naquele conflito: um dia para se analisar as estratégias de combate, troca de tiros entre as trincheiras e sobreviver na adversidade do clima. Porém naquela noite, na Frente Oeste, os britânicos foram surpreendidos com um som diferente. 

Estacionados em frente às tropas alemãs, os britânicos ouviram o som de cantos natalinos vindo do lado inimigo. Os alemães ainda decoravam as trincheiras com pequenas árvores de Natal, enfeitadas com velas acesas. Os britânicos desconfiaram do que estava acontecendo e denunciaram aos seus superiores. A ordem dada foi de apenas observar, porém os britânicos responderam a ação alemã.

Cena do filme Feliz Natal mostrando a aproximação alemã que deu início a trégua.


De um lado os alemães cantavam, os britânicos decidiram corresponder com a mesma moeda e então cânticos de Natal surgiram do lado inglês. Os soldados alemães saíram das trincheiras completamente desarmados, convidaram seus adversários para estarem com eles na "Terra de Ninguém". Naquela noite, a Primeira Guerra Mundial parou. 

A "Terra de Ninguém" se transformou numa "Terra de Todos". Os soldados até então locados em lados opostos do conflito agora eram um só. Entoaram músicas, confraternizaram, trocaram presentes e se apresentavam uns aos outros com seus nomes, mesmo que não entendem-se muito bem o que falavam devido as diferentes línguas. 

Esse episódio ficou conhecido como a "Trégua de Natal", onde não só apenas no Fronte Oeste, mas como também em outros frontes de batalha foram relatadas tréguas espontâneas entre os soldados para poderem comemorar o Natal. 

Edward Hulse, um tenente de 25 anos assim escreveu no seu diário: 

Nós iniciamos as conversações com os alemães, que estavam ansiosos para conseguir um armistício durante o Natal. Um batedor chamado F. Murker foi ao encontro de uma patrulha alemã e recebeu uma garrafa de uísque e alguns cigarros e uma mensagem foi enviada por ele, dizendo que se não atirássemos neles, eles não atirariam em nós. 

Os relatos começaram a surgir de todas as partes, alemães, ingleses, franceses, belgas entravam em trégua e juntos confraternizavam. Não apenas os soldados participavam, mas também os oficiais que juntos definiam os acordos não oficias de trégua e permitiam os soldados irem para a Terra de Ninguém. 

Além das festas, das conversas e das brincadeiras – alemães e ingleses travaram uma partida de futebol, onde o time alemão venceu o inglês por 3 a 2 – foi permitido também que fossem recolhido os mortos e seus enterros.



A partida de futebol é confirmada pelo jornal "Times" que em janeiro de 1915 publicou uma carta  de um major da Seção Médica, onde diz que seu regimento disputou uma partida com os alemães. O 133º Regimento Saxão também confirma esse fato ao dizer que a partida teve início com uma bola fabricada por um escocês. Stanley Weintraub, no livro "Noite Silenciosa: A História da Trégua de Natal", diz que várias cartas e diários registram partidas de futebol e soldados registravam que era como se estivessem vivendo um "sonho".

Um alemão escreveu:

Aquele foi um dia de paz na terra, é uma pena que não tenha sido a paz definitiva.

Em alguns lugares a trégua durou durante todo o dia 25 e em outros lugares até o Ano Novo. Imediatamente após o fim da trégua, soldados escreveram cartas a seus familiares onde contavam tudo que tinha acontecido. 

A carta do capitão Alfred Dougan Chater a sua mãe traz informações sobre aqueles dias:

Acho que assisti hoje a um dos espetáculos mais extraordinários que se pode imaginar. Por volta das 10h da manhã, vi do meu posto de observação um alemão que agitava os braços e mais dois que saíam das suas trincheiras e se dirigiam a nós. Nós já íamos disparar sobre eles, quando notamos que estavam desarmados; de modo que um dos nossos homens foi ter com eles, e dois minutos depois soldados e oficias saíam das trincheiras dos dois lados, apertavam-se as mãos e desejavam uns aos outros feliz Natal. Trocamos cigarros e apresentamo-nos pelos nomes, e outros tiraram fotografias. Não sei por quanto mais tempo isto [a trégua] irá continuar - de qualquer modo, as armas terão de calar-se novamente no Ano Novo, porque os alemães querem ver nossas fotografias.

Tais relatos foram usados pelos jornais na época, no entanto a trégua espontânea provocou duras reações por parte dos governos aliados e do alto-comando militar. Novas tréguas espontâneas não seriam mais permitidas, de fato confraternizações como o Natal de 1914 não se repetiu mais durante o restante da guerra.

Fotografia pulicada pelo jornal "The Daily Mirror" em 8 de janeiro de 1915 mostra soldados alemães e britânicos lado a lado.


FELIZ NATAL



Em 2005, a trégua de Natal ganhou sua versão cinematográfica. O Filme Feliz Natal (Joyuex Noël), do diretor Christian Carion, é uma produção de vários países (França, Reino Unido, Bélgica, Romênia e Alemanha) e narra os eventos que marcaram o Natal nos frontes de batalha em 1914. Tendo como personagens um padre anglicano, um tenente francês e um tenor alemão, o filme mostra a confraternização entre escoceses, belgas e alemães que deixaram suas trincheiras para comemorar o natal na "Terra de Ninguém".



Feliz Natal concorreu ao Oscar e ao Globo de Ouro de Melhor Filme Estrangeiro e é uma ótima ferramenta para se usar em sala de aula. O filme traz recriações bem feitas das trincheiras e nos oferece a oportunidade para se debater sobre a guerra e a humanidade por trás dos conflitos. Além disso, podemos ainda abordar o peso do de uma manifestação religiosa, como o Natal, a ponto de ter determinado uma trégua não oficial e ter trazido a sensação de paz que foi compartilhada por soldados e oficiais naqueles dias.





FONTES: Futebol e 1ª Guerra Mundial: batalhão próprio, trégua e um protótipo da Champions.

Há 100 anos, trégua de Natal espontânea na Frente Oeste

A Trégua de Natal de 1914

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