A Paixão de Cristo - Parte II

Um outro ponto que destaco no relato da Paixão é o julgamento de Cristo. No filme de Mel Gibson somos levados a crer que o julgamento de Jesus foi uma verdadeira farsa. É só perceber no comportamento dos personagens que surgem perguntando sobre a legalidade do processo. Então somos levados a perguntar: Jesus teve um julgamento justo?

Então temos que nos reportarmos para a Judéia do século I. Naquele tempo, a palestina era uma província romana e como tal estava submetida a lei romana da época. E segundo esta lei, Jesus teve sim um julgamento justo.

Segundo Yann Le Bohec, professor de História Romana da Universidade de Paris IV – Sorbone, o processo romano era constituído de três atores: o acusador, no caso acusadores, que eram “os sumos sacerdotes e os anciãos do povo” (Matheus 26,3); o acusado, Jesus; e o juíz, Pôncio Pilatos, representante do imperador e governador da Judéia.

Para iniciar o processo, os acusadores tinham que apresentar o acusado ao juíz e foi o que aconteceu. A guarda do templo depois de capturar Jesus, no Monte das Oliveiras, o leva ao Sinédrio – do grego synédrion, que significa assembléia, conselho. Na presença dos sumos sacerdotes, Jesus se cala. É interrogado várias vezes, primeiro por Anás e em seguida por Caifás, na presença de alguns membros do Sinédrio. “É pouco provável que os 71 membros tenham se apresentado durante aquela noite” – diz Simon C. Mimouni, professor do Departamento de Ciências e Religião da Escola Prática de Autos Estudos de Paris, França, no texto A Morte de um Rebelde. De fato é o que vemos no filme A Paixão de Cristo de Mel Gibson quando a legalidade do processo é questionado. Em relação aos evangelhos também não há uma unanimidade se Jesus foi submetido a um processo propriamente dito, Matheus e Marcos dizem que sim, mas o Evangelho de Lucas não fala em processo.

Bem, durante o interrogatório, os sumos sacerdotes procuram incriminar Jesus antes de levá-lo a presença de Pôncio Pilatos. Tentam incriminar Jesus por suas ações no Templo, onde ele teria arremessados as mesas dos comerciantes e mercadores, no entanto por falta de provas a acusação foi anulada (Marcos 14,58; Matheus 26,24). Dessa forma passaram a questionar Jesus sobre a sua suposta identidade messiânica.

Perguntado se ele afirmava ser o filho de Deus, Jesus respondeu: “Tu o dissestes; digo-vos, porém que vereis o filho do homem assentado à direita do Poder e vindo sobre as nuvens” (Matheus 26,64). Diante dessa afirmação, Caifás rasga suas vestes e condena Jesus por blasfêmia ao se intitular “filho de Deus”. Mas vale lembrar que não somente por isso, Jesus foi acusado por ser o “Rei dos Judeus” como veremos a frente.

Jesus é levado ainda de madrugada para a casa de Pôncio Pilatos, no palácio de Herodes, o Grande. Agora os três principais atores do processo romano estavam juntos: os acusadores, o acusado e o juiz. A punição de Jesus dependia de Pilatos, pois este representava a autoridade romana na província, então Pilatos pergunta: “Tu és o rei dos judeus?”. Jesus fica calado. O governador da Judéia então fica sem tem ter muito o que fazer diante o silêncio do acusado. O que mais pesa para Jesus é sua categoria na sociedade. Ele se enquadrava na categoria de peregrino: homem livre, mas sem cidadania romana. “Para os romanos, ele não passa de um vagabundo judeu, o que o torna duplamente indigno porque não exerce profissão e é – de resto, como seus adversários – descente dos vencidos”, diz Yann Le Bohec. Pilatos insiste em perguntar sobre a pretensa realeza de Jesus, pois é desta forma que pode condená-lo.

Mas no filme de Gibson, vemos um Pilatos que não está nada confortável em condenar Jesus. Ele é abordado por sua mulher, que teve um sonho onde ele não deveria fazer nada contra Jesus, mas o seu cargo não o permite ficar em cima do muro. A questão que se coloca: se Pilatos deixa Jesus ir, pode provocar uma rebelião popular, mas se condenar Jesus não estaria ele de fato condenando o filho de Deus? Mas segundo os historiadores, Pilatos age de acordo com a sua função de governador. Como disse, Jesus se enquadrava na condição de peregrino e nesse caso a punição era a crucificação. Jesus é condenado por Pilatos segundo a lei lex maiestate, uma lei anterior a Júlio César e a Augusto que punia com a morte a alta traição em relação ao Estado.

Mas antes de ser crucificado Jesus deveria ser antes flagelado até ficar enfraquecido para inspirar o medo público. Mas isso veremos no próximo post.

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