301 de Esparta

Este é um dos primeiros textos (ou o primeiro, não me lembro) que produzi fazendo esse contraponto entre cinema e história, refere-se a uma análise breve do filme 300 de Zack Snyder.

Vamos ser logo diretos: 300 não é um filme com pretensões históricas. É ingênuo achar que assistindo ao filme teremos um relato fiel da Batalha das Termópilas ocorrida durante a Segunda Guerra Médica (481 e 479 a.C.), mas antes de tudo, entender os fatos históricos apresentados no filme torna a história mais interessante e evita que possamos cometer qualquer gafe quanto ao conhecimento histórico.

Heródoto de Helicarnasso (490-425 a.C.), historiador grego, produziu em suas Istorai - em grego, investigações ou explorações - uma das fontes primordiais sobre a Batalha das Termópilas. Relatos estes que serviram de base para que Frank Miller fizesse 300, sua graphic novel, trabalho que foi a fonte para o filme dirigido por Zack Snyder. Mas considerações à parte, vamos analisar alguns pontos explorados pelo filme 300 e perceber que relação existe com os fatos históricos.

No início do filme somos apresentados a eugenia, prática espartana de purificação da raça. Ao nascer a criança era examinada por um grupo de anciões, se não apresentasse nenhuma deformidade a criança ficaria com a família até os 7 anos e depois enviada ao quartel, mas se apresentasse um defeito qualquer era sacrificada, sendo arremessada do alto de um penhasco. Mas é importante dizer que toda regra tem sua exceção. Heródoto em seus relatos diz que quando Leônidas nasceu este apresentava um dedo torto e por isso teria que ser sacrificado, mas o ancião que o examinou teria percebido que aquela criança estaria destinada a realizar uma grande façanha e a poupou.

Um outro ponto curioso do filme que vale a pena ser analisado é o papel da mulher na sociedade espartana. De fato ela gozava de mais liberdade em comparação com as mulheres atenienses. Em Esparta, as mulheres eram preparadas desde crianças para a guerra e também preparavam o corpo para gerar o guerreiro perfeito. Em 300 é marcante a presença de Gorgó, mulher de Leônidas, que na verdade era também sua sobrinha. Em certa ocasiões teriam perguntado para Gorgó por que as mulheres espartanas eram "as únicas gregas que mandavam nos homens", e ela respondeu: "Ora, porque parimos homens de verdade". Mas muito cuidado: em 300, Gorgó se dirigi aos cidadãos espartanos na Assembléia, no entanto não existe nada documentado de que mulheres tomassem parte das decisões políticas, exclusivas aos homens.

Um outro traço da cultura grega que aparece no filme, mas não é explicado, é a Carnéia. Durante esse festa, um dos mais importantes festivais religiosos em honra ao deus Apolo, os líderes gregos não podiam declarar guerra e nem retirar seus exércitos de suas cidades, pois todos os cidadãos homens deveriam ser purificados.

Os persas não eram tão "assombrosos" como representados no filme 300, e segundo os relatos históricos tão pouco representavam uma verdadeira ameaça ao mundo grego. Os persas eram pacíficos e tolerantes - em comparação aos assírios e babilônicos - não representavm uma ameaça aos costumes locais, não impunham sua língua e nem sua religião. No entanto esses fatos não aperecem no enredo do filme porque isso não interessa. O que importa é a visão maniqueísta da história, ou seja, a eterna luta do "bem" contra o "mal", e alguém sempre tem que fazer o papel do "mal".

Dificilmente assistiremos um filme fidedigno aos fatos e valores históricos, pois temos que levar em conta que o filme é o produto de uma visão individual ou de um grupo, que modificam a história para inserir mais romantismo, suspense, ação ou comédia. Ignorar esses fatos é fatal, pois estaremos absorvendo uma visão não condizente com a realidade do fato histórico. Se quiséssemos que 300 fosse fiel aos fatos documentados, o título do filme deveria ser modificado para 301, porque parece que na contagem final, deixaram Leônidas de fora.

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